CRÍTICA | A alma de JUDY: Muito além do arco-íris.
Ah! Hollywood, uma indústria
que se vende como uma fábrica de sonhos para seus espectadores! No que diz
respeito a quem vive os bastidores da produção de um filme, o que acontece ali dentro
pode muito bem ser considerado um pesadelo. Judy Garland, conhecida
mundialmente por protagonizar o clássico The Wizard Of Oz, desde muito cedo foi
moldada para entreter os consumidores da indústria cinematográfica, e isso
deixou sequelas que se manifestaram ao longo de sua – curta – vida.
O filme Judy, lançado em
2019, vem como um alerta necessário nos dias atuais, com denúncias de assédio
nos grandes estúdios cinematográficos ainda sendo constantes. A história de
Judy, nascida Frances Ethel Gumm, não pode ser resumida em um único filme,
então a obra cinematográfica dirigida por Rupert Goold opta por focar em um
período específico de sua trajetória: seus últimos anos de vida.
A atriz já havia passado dos
40 anos e, mesmo após tanto tempo trabalhando em Hollywood, sofre com o
machismo no mercado de trabalho e também com a pressão sobre seus ombros,
enquanto Judy tentava apenas ser uma boa mãe para seus filhos. A trama de Judy:
Muito além do arco-íris se passa no final dos anos 1960, quando Garland foi
convidada a visitar Londres, realizando uma turnê musical por lá, ao mesmo
tempo em que conhece o seu quinto marido, Mickey Deans e enfrenta seus dilemas
pessoais, enquanto se lembra dos traumas do passado.
A premissa básica de uma
trama biográfica serve como um instrumento do roteiro para abrir o leque
completamente, de forma que o espectador é situado em uma época específica –
entre 1968 e 1969 – e reflete sobre o que ocasionou os eventos mostrados no
filme. Assim, Judy é a nossa guia nessa
viagem no tempo, que é reforçada pelo ótimo design de produção do filme,
permitindo que a obra tenha uma boa reconstrução da época, algo que é evidente
nos figurinos e também nos cenários. A gente sente as emoções da personagem, o
que a atriz vencedora do Oscar Renée Zellweger representa de forma magistral,
demonstrando uma personalidade instável de uma mulher que foi vítima da
opressão do seu tempo, o que a transformou em uma adulta com problemas e
passando a ser taxada pelos outros de “uma pessoa difícil de conviver”.
Embora a parte musical do
filme pareça meramente ilustrativa, esse não é o caso, uma vez que as
performances da Judy no palco – com direito a clássicos que marcaram o cinema –
são marcadas pelas expressões faciais dela, e a gente percebe as feições da
Zellweger de acordo com o momento, ou a intensidade que determinada música
pede. O contexto em que a música Somewhere over the rainbow é inserida, por
exemplo, reflete um trauma muito pesado da vida de Judy Garland, uma vez que o
filme vai e volta no tempo, mostrando em especial o dilema da atriz aos 16
anos, quando foi escalada para interpretar Dorothy Gale na adaptação da obra de
L. Frank Baum. A cena da performance musical da música do filme de 1939 é
extremamente poderosa, uma vez que é aí que Judy demonstra os efeitos
provocados pelo fato de ser considerada desde sempre a America’s sweetheart
(Queridinha da América).
Renée Zellweger é a alma e
também o coração do filme, que embora tenha esses pontos positivos citados,
acaba pecando na hora de escolher uma identidade na sua direção, uma vez que
falta desenvolver melhor os coadjuvantes, o que poderia dar mais uma camada à
trama e dividir o peso do filme com sua atriz principal. Outro ponto é que
algumas ideias são sugeridas nos cenários, que apresentam um contraste entre
luz e escuridão nos momentos em que Judy está em conflito – como na cena em que
ela liga para sua filha de um telefone público, e a diferença do fuso-horário
reflete outro contraste: entre a fama e a vida pessoal. Judy liga para sua
filha em uma Londres noturna, em um beco iluminado apenas pelo telefone
público, enquanto nos EUA o dia está ensolarado, e as luzes refletem no rosto
da garota ao atender o telefone, demonstrando uma sensação de acolhimento que
Garland sentiria ao estar em casa, ainda que esse não seja o caso.
O filme aposta todas as suas
fichas na empatia que o espectador sente por sua protagonista, e de fato isso
nos cativa, com o sarcasmo da Judy fazendo a gente rir em alguns momentos,
dando uma aliviada na tensão que era a vida da própria. Literalmente, seria
cômico se não fosse trágico! Um diálogo importante notável no meio do filme é “Don’t
Judy me”, o que traduzindo seria algo como “Não me Judy”, já que em inglês o
nome da atriz e a palavra judge, que significa julgar, são muito parecidas, e
isso ilustra perfeitamente o que acontecia desde sempre nos bastidores dos
grandes estúdios: Judy era sempre responsabilizada por suas ações, quando na
verdade os acontecimentos eram como uma bola de neve, marcada por soluções a
curto prazo para uma atriz-mirim que não estava dormindo o suficiente e era
obrigada a tomar medicamentos para “ficar ativa”.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Judy: Muito além do
arco-íris pode não ser perfeito em aspectos técnicos do cinema, com uma direção
inconstante, mas se encaixa perfeitamente como uma obra que deve ser vista em “casadinha”
com The Wizard of Oz, e a partir daí sua missão como espectador não consiste em
cancelar o clássico, mas passar a observar a história da menina inocente do
Kansas com outro olhar.
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